AUTISMO
Ana Gomes escreveu um post no
Causa Nossa, hoje publicado no Público, em resposta a um editorial de Nuno Pacheco de há dois dias. Em sua opinião, Freitas do Amaral fez bem em demarcar "responsavelmente o Governo português e Portugal do conteúdo insultuoso e do propósito estigmatizante de todos os muçulmanos visado nas caricaturas" (sic). E isto era o que o Governo dinamarquês devia ter feito e só não o fez porque, alegadamente, está refém da extrema-direita. Pois. Sobre as perseguições, violências e injúrias que os dinamarqueses e outros europeus hoje sofrem às mãos de criminosos, nem uma palavra.
Ana Gomes teve azar e um timing péssimo (o que, diga-se, não constitui novidade) porque a própria primeira página do Público encarregou-se de desmentir a sua argumentação revelando, como se desconfiava, que a recente vaga de reacções é artificial e foi previamente concertada por regimes interessados em sacudir a pressão para se democratizarem. A causa, afinal, não passou de um pretexto.
Nenhum apaziguamento, por mais subserviente e Chamberlainiano, teria valido e nenhum governo ocidental digno desse nome teria podido evitar o que quer que seja quando o que está em causa é um aproveitamento indigno (e ao retardador) de sentimentos religiosos para fins, mais do que políticos, criminosos. Ana Gomes pode demarcar-se à vontade, fazer as mais sentidas juras à tolerância e ao respeito pela diversidade, que, se hoje estivesse em Teerão perto da Embaixada de França, teria sofrido na mesma e na pele uma interpretação particular do Corão.
Diz que o que está em causa não é a liberdade de expressão e que esta não é, nem nunca foi, a questão central. Curiosamente, são as restrições a essa mesma liberdade que têm estado no âmago das exigências dos governos islâmicos e de diversos grupos terroristas. Ainda hoje o movimento caritativo Hezbollah juntou a sua serena reivindicação à de outros beneméritos. Valha-nos o Hamas, que generosamente se prontificou a mediar o conflito, e Freitas do Amaral, que imediatamente se disponibilizou para dialogar no exacto dia em que o Secretário-Geral da NATO deixou claro que sem renúncia clara à violência e o reconhecimento inequívoco de Israel não há conversa possível. Está visto que o Secretário-Geral da NATO não tem sobre si a exigência de responsabilidade e a necessidade de equilíbrio e de rigor que recaem sobre o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa.
Numa pirueta argumentativa infeliz, Ana Gomes acomete contra “a liberdade de imprensa e o aproveitamento da liberdade de expressão pela direita, xenófoba, defensora da Europa "clube cristão", apostada em fomentar o ódio religioso” (!) com mais firmeza do que o faz contra a violência, a intolerância e a xenofobia dos muçulmanos radicais e dos Estados que as acicatam. Aí está. Afinal a culpa não é dos que matam, dos que destroem, dos que manipulam as opiniões públicas e dos que extravasam o direito à indignação mas dos cartoonistas e jornalistas da direita nostálgica das cruzadas. Pergunto-me se Ana Gomes diria o mesmo se algum grupo de cristãos reagisse da mesma forma a provocações do mesmo tipo. Aposto que não. Porque, nesse caso, era a tal direita que exigia respeito e, como está claro, ela não merece respeito nenhum.
Com uma memória espantosamente parcelar, Ana Gomes adverte o leitor para os perigos da intolerância, remetendo-o para caricaturas nazis anti-semitas fazendo vista grossa às que surgem recorrentemente no mundo islâmico (aliadas a apelos explícitos à destruição de Israel) e às que eram abundantemente difundidas pelo obscurantismo soviético. E sem se lembrar que, quanto a essas, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos ocidentais. São critérios. Mas muito fracos.
Para Ana Gomes, o problema está no uso da liberdade de imprensa e na falta de equilíbrio, de tolerância e de respeito pela diversidade. Equilíbrio, tolerância e respeito da diversidade à sua medida, segundo os seus critérios e aferidos pelo seu prudente arbítrio. Resta saber o que se entende por “estigmatizante” e “insultuoso”. Quem é o julgador? Ana Gomes? Deus nos livre.
JV